não poderia dizer que sou eu. não cabo no meu ventre embora queira. refúgio do que penso que sou. olho no espelho e essa não sou eu, é a imagem do que me fizeram, é o que imagino que sou. e sou uma para cada um que me conhece - palavras repetidas. nada é mais que repetição. leio caio, kerouac, bukowisky, milton, blake, clarice, fernando. tudo já foi dito antes, em maior maestria por eles. estou entre aquilo que me fizeram e o que eu supostamente queria ser. não sou eu quem me fito no espelho, é alguma outra parte de mim que desconheço. não sei dos meus gestos, nem mesmo da minha voz. não sei de mim. sou tantas para cada sentimento que me cabe. parir o ventre vazio do que sou. sou os rabiscos que desenho sem forma, as letras que escrevo sem pudor, a roupa jogada no quarto, a poeira escondida no canto que não varro, a lista de coisas que deixei por vazer e várias outras que fiz de última hora sem o devido capricho. um dia, quem sabe, dou de cara comigo e me reconheço. esquina por esquina, passo por passo, palavra por palavra, silêncio por silêncio. movida pela música que insistentemente toca em minha cabeça. salvem bowie. 'just rebember, lovers never lose'. o tempo corre, e não pude ainda tomar nota de mim. corro também, movida por uma pressa que vem de não sei onde. uma confusão. não tive tempo para mim. não pus minhas idéias em ordem - se é que ha alguma ordem. "o que quero dizer, mas o senhor não comprendem, é que não tenho culpa nenhuma".

vomito palavras de terceira.