ella


The swee sweet life

Se a falta dói tanto em mim
imagine nessas outras tantas pessoas
o dedo sem esmalte
a boca de peixe
a transmutação confusa dos cabelos
o sorriso escondido

quero a sabedoria dos pássaros e das árvore
lidar com minha anatomia
que é toda coração.
(em 3/5/2010)


convivi muito mais com sua ausência do que sua presença. senti mais a falta de você no quarto, na sala, no olhar das pessoas que me cercavam. às vezes a sua presença, na praça, na faculdade. aulas, corredores. a matéria que você passou sem nem mesmo ter feito prova. os risos contidos, tampados com a doçura da mão. o chinelo havaiana. a bolsa de televisão. ou forno? os dedos do pé com esmalte vermelho. o cabelo vermelho. preto. loiro. cervejas divididas. algumas tardes. alguns papos na sala da casa de um amigo. a primeira vez que ouvi falar de fisheye, foi culpa sua. e quando iniciei minha inocente paixão por fotografia, você pegou minha máquina e deu uns cliques. mas mesmo assim fui marcada pela sua ausência. convivi muito mais com ella. com o quarto o vazio. com o silêncio. com o soluço do irmão que não se continha. porque não continha você. e assim fui vivendo sua ausência, vivendo ella no olhar sentido do outro, no desabafo, no nome não dito. porque era sagrado. como o nome dos deuses que evitamos dizer com medo de incomodá-los no seu douto descanso sábio. evito o nome como algo sagrado. e assim continuo na ausência. na ausência do nome, de você. ausência que só por ser ausência me fez presente no que nunca poderia vivenciar de outra forma. e uma tristeza indômita de sentir muito mais a sua ausência do que a presença em palavras poucas. com todo o carinho, mas poucas. aqui, acolá. a ausência também modifica. e consolidou quem hoje, presente, sou. fiquei no que nunca foi mas poderia ter sido. e não é. eis tudo. mas fiquei também com o presente que só a sua ausência poderia me dar. egoísmo sim. e por egoísta, meu. a sua ausência, a sua falta pelo corredor, pelas roupas sem utilidade no armário. pelos livros sem olhos atentos a folhear, sua falta me construiu. mas eu trocava o que sou agora pela alegria que vi faltar nos olhos dos outros. na outra que para mim ficou sendo metade sua. olhos que ainda continham brilho, mas por muito tempo sem vontade de brilhar. porque você é luz. que guia, ilumina. e da qual a ausência se faz sentida. convivi muito mas com sua ausência. passei seus aniversários sem você. mas de uma forma estranha, com mais consciência de mim. vivi você nos olhos e nas paixões dos outros. vivi você nos trejeitos daqueles que amou. e amei também. e aqui, a nossa partilha secreta, amar o mesmo homem como referencial. embora de pontos diferentes. e aqui, uma partilha minha: amei você. sua presença que só senti com a sua ausência. ausência essa minha, de egoísta que sou.

Lorena Borges