"Não há quem ame a própria dor, que a busque e queira, simplesmente porque é dor"
lorena foi embora
esse diario me acopanha. como os vinhos que tomo. os poemas que leio. lembrar quem fui. e quem secretamente ainda sou. mas esqueci. esqueci a poesia. o poema. esqueci dessas noites a escrever. desenhar. a estar comigo.
comecei a estar comigo de uma outra maneira. esquecendo-me.
agora acendo o cigarro, e fico rolando o feed. como um rodo. na tentantiva somente de esquecer tudo. anestesiar. acendo outro cigarro. comntinui rolando o feed. os livros vao se empilhando nas prateleiras. livros que nao leio mais. os cadernos estao ficando cada vez mais em braco. continuo a compra-los. mas nao os uso mais. a desculpa é que passei por momento dificeis, e agora descanso. falacia. sempre passei por momento dificeis. e a palavra e a poesia me conectavam com o meu sentimento. sempre um pouco nefasto. afinal comecei a gostar de poemas com baudelaire. depois foi a metafisica de fernando pessoa e seus personagens. personagens não, não era assim que a literatura chama. talvez hoje a psicologia diria apenas fernando e seus desturbios de personalidade. desturbio? talvez era a maneira de se entender. somos tantos. um para cada um que nos conhece. tantos universos.
as vezes acendo meu cigarro. com a cabeca dando voltar vou me deitar, e imagino a vida que quero ter. que poderia ter. tudo são escolhas. e cada escolhe que conduz a uma nova escolha. um labirinto infinito. tantas possibilidades. e ainda o que me conduz é a coriosidade de um espectador. não quero ser personagem principal, quero observar, discreta, as multitudes de vidas,e soclhas, caminhos e universos. todos esses universos que são também tão meus. quero escutar a história dos outros. muito mais do que descrever a minha. mesmo se a historia dos outros sempre sera visto a partir do filtro que vejo a vida.
o primeiro copo de vinho se foi. nem almocei ainda.
o vinho e as palavras que fluem assim são companheiros antigos. e senti falta.
carta à caetano
"Tempo de foder
tempo de não foder
saber gerir
os tempos
compor
saber estar sozinha
para saber estar contigo
e vice-versa
aqui estão as minhas contas
do que foi"
(Adília Lopes)
li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos para tantos
objectos do mundo
¿e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que eu dance,
fluido, infindável,
apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, ah não, que ao menos me encontrasse a paixão e eu me perdesse nela,
a paixão grega
lorena b.
Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho
Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça
Mário Cesariny
de profundis amamus Ontem às onze fumaste um cigarro encontrei-te sentado ficámos para perder todos os teus eléctricos os meus estavam perdidos por natureza própria Andámos dez quilómetros a pé ninguém nos viu passar excepto claro os porteiros é da natureza das coisas ser-se visto pelos porteiros Olha como só tu sabes olhar a rua os costumes O Público o vinco das tuas calças está cheio de frio e há quatro mil pessoas interessadas nisso Não faz mal abracem-me os teus olhos de extremo a extremo azuis vai ser assim durante muito tempo decorrerão muitos séculos antes de nós mas não te importes não te importes muito nós só temos a ver com o presente perfeito corsários de olhos de gato intransponível maravilhados maravilhosos únicos nem pretérito nem futuro tem o estranho verbo nosso Mário Cesariny
Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício
Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar
Mário Cesariny
Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos
Mário Cesariny
2014
em algum momento de 2009.
mas me doía tanto, tanto, que nem mesmo sabia de onde vinha tamanha dor. apenas doía, fundo e agudo e me confundia. era tamanha dor que eu ia perdendo a noção das coisas. perdera até mesmo a noção de quem era e do que fazia, apenas ia fazendo seguindo um extinto que nascia sei lá de onde.eu era extinto. pura sobrevivência e com essa tamanha dor eu tinha apenas uma sobre-vida. eu era dor, aguda , confusa. e de toda aquela confusão, pessoas correndo de um lado para o outro, gritos, choros, soluços, e no meio daquela confusão vi uns pés assim juntinhos, parados, tímidos. vi uns pés negros, sujos, tímidos, que chegavam até a dar dó. e desses pés nasciam canelas finas e machucadas que se insistiam de pé naquela confusão. e daquelas canelas nasciam pernas trêmulas, tímidas e fracas e postos a essas perninhas amargas e inocentes se postavam duas mãozinhas, delicadas, que se agarravam uma a outra. vezenquando uma dessas mãozinhas se separavam e iam lentamente, no meio dos gritos e soluços encontrar os olhos. os olhos daqueles pezinhos negros, das canelinhas finas e das perninhas trêmulas. os olhos que choravam lágrimas secas. os olhos firmes, tristes, daquelas mãozinhas delicadas, aqueles olhos que deus, fitei tanto. aqueles olhos a encontrar os dedinhos incertos. que deus, que cor era aqueles olhos?
E você, aonde está?