para as pessoas das feiras


Não que eu seja covarde. Mas eu tenho medo. Medo de muita coisa. Na verdade, nunca considerei o medo algo ruim, às vezes agradeço por ter medo de tanta coisa. O medo é o que me mantem viva. Se não fosse o medo de morrer atropelada eu atravessaria a rua sem olhar. Se não fosse o medo de perder o meu emprego, eu faltaria hoje para dormir mais. Se não fosse o medo das borboletas eu cultivaria largartas em casa.
Agradeço, o medo me mantem viva. Não fosse ele, talvez hoje eu seria uma prostituda, drogada, criminosa, ou qualquer outra coisa.
Um dia o medo salvou a minha vida. Tive medo de desobedecer meus pais, não entrei no carro. Dei sorte, pois as pessoas que não tiveram esse medo morreram entre as ferragens após serem prensadas por dois caminhões. O medo me salvou, não a obediência (nunca fui muito obediente). Uma vez tive medo de pular de ponta no rio. Não sei o que tinha no fundo, mas com certeza devia ter uma pedra pontuda querendo beijar minha testa. Não pulei. Ao invés disso fiquei sentada na beira com os pezinho na água. Não me arrependo, pois tive um beijo roubado e me casei (ainda bem que tive medo de pular no rio).
Certa vez eu não quis ter medo, e desci o morro de bicicleta sem as mãos e sem olhar o cruzamentos, bom... cai, quebrei o braço e coloquei 6 pinos. Eu devia ter tido medo.
Ter medo de muita coisa nunca me impediu de ser corajosa, são coisas diferentes. Pois eu tive coragem de aceitar o meu medo, o meu medo que me mantém viva. Tive coragem de sair de casa e ir morar sozinha, não tive medo. Tive coragem de comprar um sapato-boneca-borbo-flocado-trançado que custava a metade do meu salário, não tive medo. Tive coragem de saltar de para-pente num dia entediante, e diate daquela altura imensa não tive medo, apenas uma paz qualquer. Tive coragem de cortar relações na raiz e acabar de uma vez com o mal que me causava, não tive medo. Tive coragem de ir pra rodoviária, fechar os olhos e apontar para uma cidade e viajar, não tive medo, apenas uma excitação qualquer.

Mas o que mais me tira a coragem é ir à feira pela manhã para comprar maças.



(Tenho medo de escolher a errada.
Eu gosto das azedinhas)

Lorena Borges

Sessão das 8

Ao chegar do interior
Inocente, pura e besta
Fui morar em Venda Nova
Tão longe mas que bosta,
Era a minha chateação...
Comprei novos óculos de sol,
e os dias estão nublados...

Estúpido diário,

Troquei o céu azul, o sol radiante e o clima ameno da minha cidade pacata pelo mórbido cinza belorizontino. Não posso dizer que estou feliz (essa não seria eu), mas estou bem. Aqui tem um pouco de Nova York: aquela cidade onde tudo pode acontecer. Onde a ilusão sustenta tudo e, assim, dá para viver um dia, depois o outro, depois o outro. Porque talvez seja amanhã ou daqui a um ano ou daqui a dez, nunca se sabe. Mas é preciso estar aqui porque aqui fica a um passo da fama, da glória e do impossível. (Mas essa lição eu já aprendi: nada vai acontecer)Talvez a Be esteja certa, não há NY fora de lá. O problema é que aquele lugar contamina e aquela vida de cachorro vicia e quando a gente sai, fica vendo a cidade em todo lugar e tem essa ilusão infantil de que lá a gente era feliz.

À distância, a beleza é absurdamente fácil.
Por-do-sol  nosso de cada dia.

Machismo por conveniência

Desisto.
Tá me escutanto? Eu desisto, I give up, j'abandonne, Ich gebe auf, Dò in su, Doy para arriba.
Isso mesmo, to dando meu emprego pra qualquer um. EU DESISTO!
Anda despertador, pode parar de gritar. Eu já desisti. Não vou levantar cedo hoje nem fudendo. Não quero. Não tenho mais forças. Quero virar uma cama por osmose e ser interrada de pijamas se me der na telha.
Quero ir no meu quintal, panhar as laranjas e fazer um suco. Assistir desenho animado (deus do céu, já nem sei o que é televisão, ainda mais desenho animado!). Se tivesse um cachorro eu o levaria para passear no parque. Até faria meu prório almoço hoje - não aguento mais restaurantes. Passaria intermináveis horas na cozinha preparando um salmão, fazendo arroz e uma torta alemã para a sobremesa. Alugaria uns filmes, quem sabe a tardinha eu iria para o clube, nadaria um pouco, ia para a sauna e depois encontrar com alguns amigos que já não vejo há tempos e conversaria sobre coisas agradáveis, até chegar em casa cansada depois de ter um dia tão agradável. Mas não, eu tenho que levantar, tomar banho, passar maquiagem, hidratante, escolher a roupa, o sapato, a bolsa, os acessórios, engatar a primeira marcha e com um sorriso falso encarar os 47 minutos de engarrafamento até chegar na empresa, ficar o dia inteiro com o telefone pregado na orelha resolvendo problemas que não são meus, servir café para os presidentes da empresa quando não tive nem tempo de fazer o meu!


Não, eu desisto! Tudo menos ter que engatar a marcha.


Eu bem que queria saber quem foi a infeliz que num dia de tédio inventou o feminismo e os direitos iguais só para passar o tempo. Ô mulherzinha infeliz! Só porque não gostava de usar sutiã e espartilho saiu por ai fazendo arruaça em busca de direitos iguais. Pra que? No tempo das nossas avós é que era bom! A vida era um curso de artesanato e culinária! Nossas preocupações eram apenas dar uma certa educação aos nossos filhos, pensar o que faríamos de almoço, trocar receitas com as amigas, bordar, visitar saraus, dar uma ajeitada na casa e esperar, lindas e poderosas (porque tivemos o dia inteiro para isso) os nossos maridos chegar em casa.
Não tinhamos que nos preocupar com a primeira marcha!
Conquistar nosso espaço? Pra que? Já tinhámos a nossa casa e o bairro inteiro, o que mais essa mentecapta queria? Tava na cara que isso não ia dar certo! Olha o tamanho do bícebs deles e os nossos! Não aguento mais! Eu abdico o meu posto de mulher moderna! Hoje descobri que eu nasci para cuidar da casa e do meu marido.
Quero alguém que abra o carro para mim, pague minhas contas, me mande flores e depois chegue em casa cansado de trabalhar, sente no meu sofá e me peça um café. Eu nasci para isso!


Troco o meu posto de mulher moderna por qualquer outro, Amélia, Rita, Capitu, Anita, Bárbara, qualquer um!
Só me deixem ficar de pijama hoje.


Lorena Borges
Mãe, cansei. Quero brincar mais de ser gente grande não.

Abro mão dos meus dois empregos, da independencia, de morar sozinha, de pagar contas, arrumar casa. Quero voltar pra casa e ter colo todo fim de noite.

(e eu ainda tenho só 19 anos...)