amor como em casa


Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa, compro um livro, entro no
amor como em casa.
(manuel pina)

Ainda te falta
dizer isto: que nem tudo
o que veio
chegou por acaso. Que há
flores que de ti
dependem, que foste
tu que deixaste
algumas lâmpadas
acesas. Que há
na brancura
do papel alguns
sinais de tinta
indecifráveis. E
que esse
é apenas
um dos capítulos do livro
em que tudo
se lê e nada
está escrito.

(albano martins)

Eclesiastes


Tempo de foder
tempo de não foder
saber gerir
os tempos
compor
saber estar sozinha
para saber estar contigo
e vice-versa
aqui estão as minhas contas
do que foi

(Adília Lopes)
"And Jack is lovely but quite mad which one just has to accept since there’s no hope that he’ll ever be otherwise so I really don’t know what’s going to happen, don’t even know what I’d want if I had to make my mind up. Part of me feels like running off to Europe or someplace anyway! Meanwhile I guess I’m “going steady” in a sort of nervous, unspoken arrangement that goes on and on with no particular end in sight – if you know what I mean." (Joyce Johnson - Doors Wide Open: a beat love affair in letters, 2001:131)
"Há algo de triste e desconcertante acerca da eterna estabilidade da mobília e dos objetos quando as pessoas se vão. Elise, especialmente, que provavelmente não verei novamente por anos – Eu estou me sentindo como se alguém tivesse pegado um pincel e desenhado uma linha negra através da vida. Ela estava sentada no sofá lendo suas antigas correspondências e papéis e jogando as coisas fora e colocando coisas de lado e então eu percebi que nós duas havíamos crescido, o que era lindo e terrível ao mesmo tempo. É engraçado, mas depois de tanto anos que nos conhecemos, este verão nós realmente começamos a nos conhecer de verdade – com inúmeras imagens que jogamos fora por fim. Eu jamais poderia escrever aquele poema que escrevi sobre ela agora. Estou imensamente feliz por ela – ela ama e é amada e tudo está florescendo para ela; ela colocou de lado todos os seus vestidos pretos e veste laranja agora." (Joyce Johnson - Door Wide Open: a beat love affair in letters. Tradução minha.)
vititrês onti.
leve, me leve.
"Animal é que só enxerga sexo, você vê sexo em tudo. Vejo sexo em tudo porque o sexo está em tudo. Mais ela nos chamou de monjas, nós duas. Acalme-se, quer um pouco de chá? Há vagas para moças de fino trato." vi por aí.
5./

reconheceram-se. beberam cerveja com a sede de antigos amates, fumaram ganzas para suportar o tédio da noite em Lisboa. segredaram-se tudo o que lhes acontecera desde o dia em que haviam partilhado a mesma cama.
-os olhos ainda vêem o que não morreu em nós.
-a vida deu mil voltas à nossa volta!
-não esperava encontrar-te por aqui.
-trabalho no circo,faço o número do homem-aranha.
-eras chavalito quando nos engatámos.
-e tu levaste-me contigo...fugimos, lembras-te?
separaram-se de novo ao amanhecer. um em direção da imensidade da cidade, e o outro de circo em circo, pelas datas dos santos e das promessas.

(O Medo. Al Berto, 1987:177)

ella


The swee sweet life

Se a falta dói tanto em mim
imagine nessas outras tantas pessoas
o dedo sem esmalte
a boca de peixe
a transmutação confusa dos cabelos
o sorriso escondido

quero a sabedoria dos pássaros e das árvore
lidar com minha anatomia
que é toda coração.
(em 3/5/2010)


convivi muito mais com sua ausência do que sua presença. senti mais a falta de você no quarto, na sala, no olhar das pessoas que me cercavam. às vezes a sua presença, na praça, na faculdade. aulas, corredores. a matéria que você passou sem nem mesmo ter feito prova. os risos contidos, tampados com a doçura da mão. o chinelo havaiana. a bolsa de televisão. ou forno? os dedos do pé com esmalte vermelho. o cabelo vermelho. preto. loiro. cervejas divididas. algumas tardes. alguns papos na sala da casa de um amigo. a primeira vez que ouvi falar de fisheye, foi culpa sua. e quando iniciei minha inocente paixão por fotografia, você pegou minha máquina e deu uns cliques. mas mesmo assim fui marcada pela sua ausência. convivi muito mais com ella. com o quarto o vazio. com o silêncio. com o soluço do irmão que não se continha. porque não continha você. e assim fui vivendo sua ausência, vivendo ella no olhar sentido do outro, no desabafo, no nome não dito. porque era sagrado. como o nome dos deuses que evitamos dizer com medo de incomodá-los no seu douto descanso sábio. evito o nome como algo sagrado. e assim continuo na ausência. na ausência do nome, de você. ausência que só por ser ausência me fez presente no que nunca poderia vivenciar de outra forma. e uma tristeza indômita de sentir muito mais a sua ausência do que a presença em palavras poucas. com todo o carinho, mas poucas. aqui, acolá. a ausência também modifica. e consolidou quem hoje, presente, sou. fiquei no que nunca foi mas poderia ter sido. e não é. eis tudo. mas fiquei também com o presente que só a sua ausência poderia me dar. egoísmo sim. e por egoísta, meu. a sua ausência, a sua falta pelo corredor, pelas roupas sem utilidade no armário. pelos livros sem olhos atentos a folhear, sua falta me construiu. mas eu trocava o que sou agora pela alegria que vi faltar nos olhos dos outros. na outra que para mim ficou sendo metade sua. olhos que ainda continham brilho, mas por muito tempo sem vontade de brilhar. porque você é luz. que guia, ilumina. e da qual a ausência se faz sentida. convivi muito mas com sua ausência. passei seus aniversários sem você. mas de uma forma estranha, com mais consciência de mim. vivi você nos olhos e nas paixões dos outros. vivi você nos trejeitos daqueles que amou. e amei também. e aqui, a nossa partilha secreta, amar o mesmo homem como referencial. embora de pontos diferentes. e aqui, uma partilha minha: amei você. sua presença que só senti com a sua ausência. ausência essa minha, de egoísta que sou.

Lorena Borges




"A mulher que Jan tanto amou tinha razão em dizer que o que a mantinha presa à vida era apenas um fio de teia de aranha. Basta tão pouco, uma ínfima corrente de ar para que as coisas se movam imperceptivelmente, e aquilo por que ainda teríamos dado a vida um segundo antes de repente pareça um contra-senso no qual não há nada." (O Livro do Riso e do Esquecimento - Milan Kundera)