coração de paixões carnavalescas em fim de ano.
"[...] amar uma mulher sem orifício."
 "Marcos é gay em São Francisco, negro na África do Sul, asiático na Europa, hispânico em San Isidro, anarquista na Espanha, palestino em Israel, indígena nas ruas de San Cristóbal, roqueiro na cidade universitária, judeu na Alemanha, feminista nos partidos políticos, comunista no pós-guerra fria, pacifista na Bósnia, artista sem galeria e sem portfólio, dona de casa num sábado à tarde, jornalista nas páginas anteriores do jornal, mulher no metropolitano depois das 22h, camponês sem terra, editor marginal, operário sem trabalho, médico sem consultório, escritor sem livros e sem leitores e, sobretudo, zapatista no Sudoeste do México. Enfim, Marcos é um ser humano qualquer neste mundo. Marcos é todas as minorias intoleradas, oprimidas, resistindo, exploradas, dizendo ¡Ya basta! Todas as minorias na hora de falar e maiorias na hora de se calar e aguentar. Todos os intolerados buscando uma palavra, sua palavra. Tudo que incomoda o poder e as boas consciências, este é Marcos."
assustei com a campainha. como sempre. e logo escutei o barulho da chave girando na fechadura. a minha espera já tinha começado há mais tempo. logo quando nos encontramos pela primeira vez. a minha espera começou logo naquele dia. e logo naquele dia, silenciosamente, lhe dei a chave. mas antes era uma chave fictícia e simbólica. nem eu sabia que tinha dado. nem ele sabia que tinha recebido. a campainha tocada como num susto, sempre antes de abrir a fechadura. era um modo gracioso de pedir licença. embora não tenha pedido licença para entrar em minha vida. nem permissão. ou qualquer outra coisa. na vida, ao contrário da casa, já foi entrado, servindo café, ligando o som. na vida foi assim. entrando completo, sem pedir licença ou esperar uma recusa, veio fininho, mansinho e espaçoso. e ligou o som. embalando o que éramos em canções. entrou na casa e no coração feito sol da manhã, beijando docemente quem eu ainda me construía. depois parou de abrir a fechadura e também parou de tocar a campainha. deu adeus à casa e ao coração. devolveu a chave e nunca mais trancou ou abriu a porta.


foi caminhando mais a frente distraidamente com pressa. como se tivesse medo que o sol voltasse, e assim, apressava o passo para aproveitar melhor o passeio. o dia estava para ela. assim, cedo, vazio, nublado. como há muito em sua vida. andava distraidamente. segurando os chinelos na mãos, e nos pés a areia molhada. a cada onda, deixava um sentimento ir embora. caminhava a frente com pressa, por que sentia uma necessidade de caranguejo. agilizar o que estava por vir. me disse: 'a vida começa aos cinquenta'. deu um sorriso, e foi caminhando, aproveitando o passeio que agora era só dela. não queria companhia em seu caminhar. há muito vivera em função dos outros. filhos, marido, emprego. 'a vida começa aos cinquenta'. aposentada. filhos criado. marido criado também. agora podia, enfim, caminhar a frente com os pés molhados na praia que era só dela. afinal, 'a vida começa aos cinquenta'.


coloca o seu chapéu. assim, bem tampando a cara. bem em frente ao teu rosto que é para eu me esquecer dos seus traços. ficar apenas com os traços da memória, que se traem, se inventam. isso, tampa o rosto. apaga esse rosto. que quero ficar apenas com a memória. os segredos que sei. as linhas do seu rosto, as rugas. as pintas. que invento. tampa esse rosto sem memória. que é essa a foto que quero colocar no meu porta retratos. como se, entre seu rosto e o chapéu, assim como você mantém, escondendo o rosto, fica guardado o segredo dos seus olhos. fica guardado o silêncio que nos mantém. guarde assim o seu rosto. que é assim que te guardo. na memória. que é assim que quero este retrato. o segredo do que se tem além do chapéu. o segredos que já fomos nós, e não mais seremos. guardo na memória o seu rosto. guardo na memória o meu rosto. guardo. no fundo da memória. atrás do chapéu, que é para não me tirar o foco do agora.



(ps. a poética dos textos é serem fictícios. parei um tempo de escrever, por que confundiam a ficção com o real. aqui não é o espaço do real. se quer encontrar o real, tome um café comigo.)
"A beleza de um corpo nu só a sentem as raças vestidas." (fernando pessoa)