dor, mágoa, rancor.
tudo acumulado em medidas desmedidas.

déjà vu

A esperança pesa.

só a infância presente existe

"Ouvir rock, ver a chuva, beijar uns lábios, deitar com uma ou outra carne na cama e sentir o sexo. Depois de horas e horas de pensamento e desistência e ridículo e paradoxos e uma vontade louca de viver! Mas o sono me puxando poderosamente. Então eu ouço Rock e olho a chuva e penso no sexo. Depois tudo se mistura porque na verdade tudo existe misturado: o sexo, o Rock, a chuva e então eu durmo. Eu durmo e durmo e sonho em ritmo de rock e vejo a chuva no sonho e o sexo se sobressaindo em todos os lugares. Sonhos agitados nos quais existe algo que eu esqueci de citar. Algo que balança que nem uma bandeirinha vermelha em meio à chuva, ao sexo e ao Rock. É a infância. Será que o Rock, a chuva e o sexo não passam de infância e que só a infância presente existia? Só a infância presente existe! Lembre-se disto: só a infância presente existe!"

(Jorge Mautner)
tenho saudade
sob aparência de medo e remorso.

carta a Helena

Culparia o álcool, a bohemia, a cidade grande, as drogas, as farras, os livros, os escritos, os Caios Abreus, os discos. Culparia o de mais fácil e acessível para tirar a culpa que é inteiramente nossa e de nossas escolhas. Já não somos adolescentes, embora às vezes imaturas. Já não somos inocentes, fomos machucadas pela vida e pelas responsabilidades. Ainda assim temos que manter o brilho nos olhos. Sou o que você me fez ser. Você me cicatrizou e marcou, a cicatriz-tatuagem maior e mais profunda que tenho. Penso em você sempre, todos os dias com tanto amor que até me dói vezenquando. A vida nos levou para caminhos tão distintos. Te queria aqui comigo, conversando sobre nada, sobre tudo, sobre o que somos e bebendo um vinho barato, tão barato quanto o que ainda somos. Você sabe exatamente como eu agiria. Como seria capaz de numa loucura qualquer juntar as minhas coisas e partir, por mais que doa, apenas pela vontade e curiosidade de saber o que tem por aí. É o momento das experimentações. Saber, provar, conhecer, aproveitar.

(apenas uma página para um dia - cada medida desmedida)

e me veio à cabeça

Mantenho na força fina do que fabrico
aquilo que já não leio.

matheus disse:

Já ouviu a lenda do prometeu acorrentado?
Os humanos no principio tinham 4 braços e 4 pernas e eram hemafroditas e gostavam muito de Prometeu, um deus do Olimpo que era mais querido que Zeus. Um dia, querendo retribuir o carinho, decidiu dar aos humanos o fogo, de presente, Zeus com ciumes e bem bravo de deixar os humanos com uma coisa tão poderosa e preciosa, acorrentou prometeu num penhasco onde todo dia vinha uma águia e devorava seu fígado que regenerava pra ser comido no dia seguinte, eternamente. Os humanos ele castigou de outro modo: separou os seres perfeitos que eram em dois, homem e mulher, e os condenou a procurar sua outra metade pra se sentir perfeito

Amor e essas coisas todas é uma condenação.

do caos

organizo meus papéis,
minhas gavetas,
meu quarto,
como quem tenta organizar
a confusão de si mesmo.

navegar é preciso

"carrego coisas pesadas e quase não mais flutuo. há tempos, navego sem encontrar portos pelo caminho. lugares onde se possa parar. descarregar as cargas amontoadas. atirar o que é sobra ao chão do cais. navego enquanto posso, sem conseguir me livrar da bagagem. das pedras dentro das malas. sabendo que a mudança foi com a embarcação e não com o mar. navego, sabendo que afundar é questão de tempo."

(Eduardo Baszczyn)

como diriam: mira na fé e rema.

não é fácil assim, mas...

"Daqui a pouco tudo vai ser passado mesmo - deixa o vento soprar, let it be, fique pelo menos com o gostinho de ter brilhado um pouco"

(Caio F. Abreu)
E agora, José?

do agora.

"Tenho saudade de mim mesmo,
saudade sob aparência de remorso,
de tanto que não fui, a sós, a esmo,
e de minha alta ausência em meu redor."

(Drummond)

O Livro do Desassossego

Abri o livro aleatoriamente,
e a aleatoriedade me deu isto:

"Uma brisa leve, uma conversa sem intuito nem propósito, um púcaro de vinho, flores, em isso, e em não mais do que isso, põe o sábio persa o seu desejo máximo. O amor agita e cansa, a ação dispersa e falha, ninguém sabe saber e pensar embacia tudo. Mais vale pois cessar em nós de desejar ou de esperar, de ter a pretensão fútil de explicar o mundo, ou o propósito estulto de o emendar ou governar. Tudo é nada, ou, como se diz na Antologia Grega, “tudo vem da sem-razão”, e é um grego, e portanto um racional, que o diz."

palavras de minha boca.

"Porque não suportava mais todas aquelas coisas por dentro e ainda por cima o quase-amor, a confusão e o medo puro."

(Caio Fernando Abreu)

do agora.

"ando angustiada demais, meu amigo, palavrinha antiga essa, a velha angústia, saco, mas ando, ando, mais de duas décadas de convívio cotidiano comigo mesma, tenho uma coisa apertada aqui no meu peito, um sufoco, uma sede, um peso, ah não me venha com essas histórias de “atraiçoamos-todos-os-nos-sos-ideais”, eu nunca tive porra de ideal nenhum, eu só queria era salvar a minha, veja só que coisa mais individualista elitista capitalista, eu só queria era ser feliz, cara, magra, burra, alienada e completamente feliz."

das verdades.

"(...)às vezes a gente vai-se fechando dentro da própria cabeça, e tudo começa a parecer muito mais difícil do que realmente é. eu acho que a gente não deve perder a curiosidade pelas coisas: há muitos lugares para serem vistos, muitas pessoas para serem conhecidas."

(caio fernando abreu)

epitáfio de um amor mal nascido.

entre a aceitação do fim prematuro
- do que poderia ter sido, não foi e é tudo -
e o frio na barriga da esperança do que já não é.
me tirem desse sufoco de mim mesma.

são joão

(...)mas só muito mais tarde, como um estranho flash-back premonitório, no meio duma noite de possessões incompreensíveis, procurando sem achar uma peça de Charlie Parker pela casa repleta de feitiços ineficientes, recomporia passo a passo aquela véspera de São João em que tinha sido permitido tê-lo inteiramente entre um blues amargo e um poema de vanguarda. Ou um doce blues iluminado e um soneto antigo. De qualquer forma, poderia tê-lo amado muito. E amar muito, quando é permitido, deveria modificar uma vida – reconheceu, compenetrado. Como uma ideologia, como uma geografia: palmilhar cada vez mais fundo todos os milímetros de outro corpo, e no território conquistado hastear uma bandeira. Como quando, olhando para baixo, a deusa se compadece e verte uma fugidia gota do néctar de sua ânfora sobre nossas cabeças. Mesmo que depois venha o tempo do sal, não do mel"

Carta à Laryssa

(...)A verdade é que somos um, para cada um que nos conhece. Não há nada além das nossas vontades. O universo é só este da minha vida pensanda. Quantos universos existem! E quais são reais? Não ha realidade, pois há tantas realidades quanto mentes-para-si-pensando. Há apenas vontades. Como essa vontade de lhe escrever agora sem nexo, de deixar que uma linguagem vulgar e incompleta diga por mim o que na verdade não pode ser verbalizado. Há sempre o erro da verbalização, o erro do tentar inutil da linguagem dubia de dizer aquilo que são formas, sentimentos e expressões, que são substantivos altamente abstratos, não verbos, locuções nem sequer adjetivos. Há sempre o erro das vontades, e a vontade sobre os erros. Somos talvez isso. A tentativa de alguma coisa qualquer. Os inúmeros projetos que deixamos inacabados. Sou um acúmulo de projetos inacabados, pois estou também inacabada. Em construção do meu eu. Em processo de mudança, reconhecimento e construção. Me sinto velha. Idiotamente velha. Sinto uma urgência enorme nas coisas. Há algo por vir e sinto que devo me preparar. Tenho que correr atrás do tempo perdido que gastei com coisas inúteis. Sinto necessidade de sugar toda e qualquer forma de conhecimento que tiver alcance. Ler livros que me façam pensar, escutar musicas, ver filmes e viver tudo isso. Experimentar. Quero provar de todos os gostos, de todos os lugares, de todas as bebidas, e quiçá de todas as drogas. Quero o acúmulo máximo de experiência. Mas não quero o vislumbre, o olhar idiota, inocente e vazio das pessoas vislumbradas. Quero a sabedoria certa, consciente. Há uma necessidade, uma urgência enorme de se preparar para algo que esta por vir. Me sinto velha e atrasada. Sinto que perdi muito de meu tempo com coisas inúteis, e agora cada segundo é precioso demais para usá-los com o que não me acrescente. É preciso ir em busca da cura. Da cura do pensamento. Tudo tem gerado em torno da intelectualidade. Tenho me tornado mais culta, lido e prestado mais atenção. Tenho me calado mais do que nunca, para absorver com toda sordidez tudo aquilo que me é falado, ensinado e mostrado. E tenho me sentido idiota quando falo, minha voz parece burra, inexperiênte e exitante, quando em minha vida vivida tenho tido mais certezas do que nunca, tenho sido mais firme que qualquer Hittler. É essa linguagem dubia e falha que traz à fala toda a exitação que não ocorre na mente, pois há apenas ideias, desprovidas de sintaxe. Há apenas a semântica, o significado real das coisas sem que elas precisem se organizar. Há algo acontecendo, e eu não posso supor o que é. Mas é bom estar participando disso tudo. Embora às vezes doa.

Amadurecer é amargo e envelhece.
Mas a velhice nem sempre é amarga, há sempre uma doçura em alguma coisa qualquer.

Lorena Borges

porque não se aprende logo seu lugar?

E o passado tem uma mania idiota de querer ser presente.
Quiçá futuro.


inócua

Ora vamos,
não seja tão idiota e inocente assim.

um poço de ingenuidade.
um poço idiota de insegurança ingênua.
você ainda me da uma pitada de sorriso.

Carta à Magno.

Me odeie,
não me importo.
apenas tenha algum sentimento por mim.

(para que tudo que tenhamos vivido tenha valido a pena.)