"Je suis l'etranger
Et ça peut se voir
Je ne parle pas
Tout à fait comme toi."

li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos para tantos
objectos do mundo
¿e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que eu dance,
fluido, infindável,
apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, ah não, que ao menos me encontrasse a paixão e eu me perdesse nela,
a paixão grega
quase duas horas em montpellier. o euro e a desvalorização do real fazem as coisas ainda mais difíceis e mais caras para mim. talvez seja a mão de vaquisse mineira. penso muito em você. e faz muita falta. me sinto velha. parar em uma boate em Montpellier, costa mediterrânea da França pode parecer chique, mas me sinto velha. tão velha que não posso dançar. todos parecem idiotas sem cérebros aos meu redor. tento. mas no consigo. não é natural. essa música eletrônica sem cultura, sem raiz - minto, tem sua cultura e sua raiz, superficiais - me incomodam. talvez eu esteja sendo crítica demais, e isso me faz me sentir ainda mais velha. não posso. aprendi - e preciso - a me respeitar também. há momentos que consigo me jogar na superficialidade do mundo. mas há verdadeiros momentos - como agora- que me falta um cérebro pensante e um corpo balançante como o seu para dividir a vida. não dá. me sinto velha, e um boteco copo sujo com um bom papo ou uma partida de xadrez me cai melhor. às vezes tenho medo de soar muito pedante ou cult, mas foda-se. em bom franco-português: é o que me manque agora.
ele me comia. não apenas com o seu falo, mas com a sua boca, suas mãos, seus olhos e suas palavras. era realmente maravilhoso e difícil amar alguém assim. aprendi muito. quase tudo que hoje sei. e continuo aprendendo. interna e silenciosamente. ama-se como se come. lambuzar-se com o outro. dividir intimidades. e também inseguranças e medo. ele me comia. e era óbvio que eu não poderia sair inteira. cada vez arrancava docemente um pedaço de mim. antropofagia. canibalismo. destruição. renascimento. composta. não poderia sair desse amor inteira. e não sai. mas eu também aprendi a comer. com os olhos , mãos, palavras, boca. eu também devorei cada parte que podia. o que ele arrancava de mim eu substituía com o que eu arrancava dele. e no final já não sabia, já não sei, onde eu começo e ele termina.

lorena b.
"I just hope and pray I can die with my boots on" (Johnny cash)
estação

Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho

Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça

                            Mário Cesariny
de profundis amamus

Ontem
às onze
fumaste
um cigarro
encontrei-te
sentado
ficámos para perder
todos os teus eléctricos
os meus
estavam perdidos
por natureza própria

Andámos
dez quilómetros
a pé
ninguém nos viu passar
excepto
claro
os porteiros
é da natureza das coisas
ser-se visto
pelos porteiros

Olha
como só tu sabes olhar
a rua    os costumes

O Público
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso

Não faz mal    abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados    maravilhosos    únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso

                            Mário Cesariny
you are welcome to elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte   violar-nos   tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas   portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

                                Mário Cesariny

lembra-te

Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos

             Mário Cesariny
eu poderia amá-lo muito.
"On ne naît pas femme, on le devient"



porque só longe daqui acharás o que falta da tua identidade
só longe daqui conhecerás o sangue e talvez a felicidade
inundando um breve instante a noite de nossos desastres
só longe daqui terás a consciência da quotidiana morte de deus

al berto


2014

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