(...) E ainda sim, ainda sim veja só o que nos tornamos. Dois estranhos um ao lado do outro, pelo medo do que se tem a dizer, pela responsabilidade das palavras que pode nos tirar desse nosso porto seguro que criamos para nos proteger de nós mesmo. De nós dois, proteger um do outro.
Tenho pensando em você mais do que de costume, há uma vontade de apenas te chamar para um café e conversar, conversar, conversar sobre tudo. Sobre todos aqueles hiatos de silêncio que carreguei por tanto tempo. Sobre filosofias ou filosofia nenhuma, sobre o nada, o tudo e o meio. Mas conversar é perigoso, podemos chegar a alguma conclusão, e bem sabemos qual é. E não queremos. Estamos, por hora, satisfeitos com o porto seguro que criamos.
Há o medo tremendo do que pode vir. O medo até mesmo das feridas abertas que insistem em não se cicatrizar.
"vou jogar óleo de linhaça em todas as minhas feridas abertas" (Caño, MAYRA. 2010)
Sempre fui egoísta, vivendo uma vida toda para dentro. Gastanto muito mais tempo nos meu pequenos projetos pessoais do que naquilo que talvez me faça ser quem preciso ser. Sempre fomos todos egoístas, procurando nos outros soluções e atitudes que satisfaçam as nossas lacunas. Amamos as outras pessoas não por quem são, mas pela maneira como ela nos faz sentir. Amamos as outras pessoas por aquilo que imaginamos e idealizamos que são. Fazendo deus de quem quiser, e monstro de quem menos nos interessar. Você mesmo por muitas vezes já foi monstro e deus, um deus-mosntro. Comecei a sentir saudade. Evitamo-nos, por mais que alguns pequenos encontros sejam inevitáveis. Por isso mesmo me proponho, às vezes, em provocar um. Te convidar para um passeio e para um sol. Consigo ver e sentir sua insegurança, o seu medo, o nervosismo em cada palavra silenciada. A verdade é que evito a conversa com medo de que confunda. Por agora, um nervosismo enorme atormenta minhas entranhas e o bambear das pernas me impede que eu corra. Ha um taquicardia doloroso. Não posso fujir, me entupir de alguma droga qualquer e sai por ai sem rumo. Minhas condições me obrigam a enfrentar a realidade, a encarar o problemas. Ou, no mínino, tentar minimiza-los, dar menos importância, fingir que não existem e assim continuar, nesse rio lento e curvo sem afluentes.
Já me diriam que a vida não é um sachê de chá, com fórmula pronta e sabores. Já me diriam tantas e tantas coisas.
Hoje pensei em escrever uma carta de suicídio. Começaria pedindo para que não levassem como suicidio em si, mas como desapego. Vivem dizendo para termos desapego. Mas desapego de que? É muito mais fácil pregar essa filosofia quando se tem do que se desapegar. Desapego de pobre é suicídio.
Quando pensei na carta me veio a responsabilidade, queria ter a genialidade de escrever apenas "fui como ervas e não me arrancaram". Mas, para a última coisa a ser escrita, espera-se algo grande, e não conseguiria cometer o ato até que algo, bem grandioso, fosse escrito por mim. Acabaria desistindo do suicidio por pura vaidade. Apenas para me tornar eterno no que vivo, escrevo e penso. Não conseguiria escrever a ultima carta, as ultimas linhas e as últimas palavras, pois ainda há muita coisa grandiosa que se passa e não consigo trasncrever em papel. Gravaria, se pudesse, o que penso. E penso em tanta coisa. Fiz mais Odisséias do que Eliadas, escrevi mais contos que todos, cantei mais musicas do que Buarque, fui mais artista do que qualquer Picasso. Quantos Césares fui, e mesmo assim, mesmo assim tudo se passa apenas nesse universo barato dessa vida pensada.
"Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada."
Vou escrever sobre isso. Um conto da pessoa que foi salva de seu suicidio por não conseguir terminar grandiosamente a carta, até que a morte, inocente pura e besta venha vestida de cetim.
Pura vaidade.
Mas não hoje.
Hoje quero a loucura dos pássaros e a sabedoria das árvores.
Quero um café e você, com seus olhos fugitivos, de companhia.